Um Louco Sonha a Máquina Universal (Janna Levin)

01-12-2010 23:36

Não é só o mundo literário que coleciona figurinhas intrépidas, diferentes, loucas, dementes… o desenvolvimento científico sempre foi pautado por personagens no mínimo estapafúrdios, que nada deixavam a desejar a imagem que fazemos do típico cientista maluco. Confesso que dá medo, ainda mais quando você está inserida no mundo acadêmico e científico, sei lá vai que um belo dia você acorda acha que o mundo não está certo, literalmente perde uns parafusos e decide acabar com a própria vida? Sai pra lá!

Essa história sobre a verdade e a lógica conduz ao ateísmo e ao misticismo. Ao desespero e ao suicídio. Ao futuro, ao nosso passado. Ao presente…”

Em “Um Louco Sonha a Máquina Universal”, Janna Levin nos apresenta duas figuras excêntricas, que ao longo da vida apresentaram problemas de relacionamento recorrentes e que eram incompreendidos por todos e talvez até por eles mesmos.Em Viena conhecemos Kurt Gödel, mas quem foi Gödel? Kurt Gödel (Bünn, Àustria-Hungria, 28 de abril de 1906 – Princeton, EUA, 14 de janeiro de 1978) foi um matemático austríaco. Seu trabalho mais famoso é o seu teorema da incompletude. Com seu trabalho Gödel provou que algumas verdades residem fora da lógica e que não podemos atingi-las a partir desta última.

Na Inglaterra somos apresentados a Alan Turing, quando este ainda era um adolescente de 16 anos. Sabem quem foi Turing? Se hoje você está aí na frente do seu computador lendo esta resenha, saiba que os primórdios da ciência da computação surgiram a partir desse cientista:

Alan M. Turing (23 de junho de 1912 – 7 de junho de 1954) foi um matemático, lógico, criptoanalista e cientista da computação britânico. Ele foi um dos baluartes do desenvolvimento da ciência da computação e proporcionou uma formalização do conceito de algoritmo e computação com a máquina de Turing, desempenhando um papel importante na criação do moderno computador.

A partir daí a autora começa um jogo de ping pong e começamos a acompanhar a carreira científica de ambos os pesquisadores, seus pensamentos, seus projetos, suas ambições, seus trabalhos, suas descobertas e suas vidas íntimas. Acompanhamos Turing em suas expedições mentais, precursoras do que mais tarde viria a ser sua máquina de computar. E vivenciamos a incertezas e os medos de Gödel, o qual acreditava estar sendo continuamente envenenado.

Somos máquinas também, Joan. Bem mais complexas, e mais nada. Um dia existirão máquinas como computadores humanos, só que elétricos. Um computador elétrico-mecânico. Vou construir um depois da guerra, talvez aproveitando algo das nossas máquinas, mas tenho em mente um projeto mais geral. [...] Vou construir um cérebro.”

Acho que este trecho capta bem o cerne da obra da Levin, nos apresentar a vida de dois grandes cientistas e mostrar que o cotidiano influencia e muito no desenvolvimento de teorias e no surgimento de insights. Nos mostra também que o mito do cientista maluco, aquele que vive enclausurado em seu mundo particular (ainda que conviva com outras pessoas), é cheio de manias e acaba sendo cerceado por estas era válido. Levin nos apresenta com muita sensibilidade dois destes, incompreendidos na vida e que buscaram na morte impingida o fim de suas angústias.

Contudo, o texto não é fluido e nem ameno, como a maioria dos livros que tratam sobre a vida dos cientistas e/ou divulgação científica costumam ser. A leitura é densa, reflexiva, exige tempo para ruminar as informações. O livro não apresenta trechos “culminantes”, aqueles nos quais é impossível largar a leitura, pelo contrário, a narrativa é uniforme. O que contribui para deixar a leitura um tanto quanto cansativa, ainda que interessante. Não é um livro que eu indicaria a qualquer um, pelo menos não para quem não tenha curiosidade sobre a biografia de cientistas ou que não tenha o costume de ler obras de divulgação científica. É um romance? É, mas não o típico romance com início, meio e fim, utilizando uma citação da própria autora:

“Não existe um final. Tentei inventar um, mas era mentira, e não quero ser uma mentirosa. Esta história terminará onde começou, no meio. Um triângulo ou um círculo. Um circuito fechado com três pontos. [...]”

A autora é cosmologista e PhD em física teórica pelo MIT. E eu particularmente gosto de livros que retratam a vida de cientistas escritos por um cientista. Em vários momentos do texto é possível perceber a admiração da autora pelo trabalho dos dois pesquisadores, o que torna a história ainda mais rica. No fim, foi uma boa leitura, que me deixou pensativa e como comentei no início deste texto com medo, medo do estereótipo de cientista maluco ainda ser válido atualmente.